No que me diz respeito e após observação e análise, o entendimento fraterno dos dirigentes cabindas está longe de se concretizar, mesmo com um MPLA encurralado e um elevado índice de impopularidade de quase uma década de governação de João Lourenço, que deveria estar sujeito a fortes pressões políticas do povo cabindense, como os angolanos, apesar de enfrentar as mesmas forças de repressão e a falta de soluções para os problemas básicos do povo.
Por Osvaldo Franque Buela (*)
Ultimamente, tenho observado com frequência nas redes sociais, como todos, o entusiasmo que anima alguns dirigentes quando são convidados ou não para os eventos dos partidos políticos da oposição angolana no território, e nestes encontros desenvolvem posições políticas mais abertas e responsáveis, discutindo as propostas da autonomia política de Cabinda, e fazem o inverso quando se trata de se sentarem e conversarem entre si sobre o futuro de Cabinda.
Sim, não posso deixar de apontar o dedo à tragédia da nossa causa que está congelada num status quo, constatando que a crescente impopularidade do MPLA no resto de Angola não se traduz num avanço político decisivo para o bem-estar de Cabinda, principalmente pelas desnecessárias divisões internas e pela postura irredutível de uns para com os outros e que termina no DESPREZO do outro, apenas pela sua opinião divergente.
A falta de perspectivas futuras para Cabinda, apesar da comprovada fragilidade do MPLA e do seu excessivo domínio sobre o nosso território, explica-se pela conjugação de factores políticos e emocionais de que somos principalmente os principais actores e decisores passivos.
Falta-nos a lucidez para ver e compreender que, mesmo que a oposição angolana, nomeadamente a UNITA, que ganha popularidade em Cabinda, historicamente não seja favorável à independência de Cabinda e que precisamos de ter uma posição própria, consensual, capaz de alterar o status quo o mínimo que quisermos, a nosso favor?
Sem prestar muita atenção, e talvez todos o saibamos sem o admitir, insisto em dizer que o desprezo que nos divide não é apenas um sintoma, mas também uma das causas do bloqueio que nos impede de capitalizar a fragilidade política e a impopularidade do MPLA em Angola e noutros lugares do mundo, onde goza de uma imagem negativa de regime colonial contra o seu próprio povo.
Ainda hoje, após 50 anos de ocupação, a causa de Cabinda encontra-se cada vez mais presa num círculo vicioso: o roubo de recursos, a construção de infra-estruturas económicas como o porto e a refinaria, que não nos pertencem e entretanto, continuamos com as nossas divisões internas, que garantem a vitória estratégica do MPLA sobre o território, que não é mais do que o seu tesouro económico, mesmo que o MPLA perca apoio popular no resto do país e do mundo.
As perspectivas para o futuro permanecem sombrias até que surja uma frente cabindense unida e pragmática, ou até que a comunidade internacional aborde seriamente o estatuto jurídico histórico de Cabinda, o que não é uma prioridade actual da chamada comunidade internacional.
As receitas do petróleo que o MPLA controla e rouba para seu próprio benefício permitem ao governo manter uma poderosa presença militar em Cabinda para esmagar qualquer forma de protesto, uma vez que são sistematicamente tratados como terrorismo ou agitação social, e não como um conflito político legítimo.
Saiamos todos das nossas posturas políticas antipatrióticas e organizemo-nos de uma vez por todas, incentivemos e empurremos a nossa juventude para os verdadeiros interesses da sua luta pelo seu futuro, sabendo que o regime de Luanda nunca abandonará Cabinda, por mais impopular que seja no mundo, porque para eles, perder Cabinda significaria o colapso financeiro da gestão económica de Angola e o fim do poder do MPLA.
O Acordo de Alvor de 1975, que ratificou a anexação de Cabinda a Angola, foi assinado pelo MPLA, pela FNLA e pela UNITA.
Embora a UNITA possa, por vezes, levantar a questão de Cabinda para criticar o MPLA, a ideia de abdicar de 60% das receitas petrolíferas angolanas proveniente de Cabinda é inaceitável para qualquer força política angolana que aspire a governar o país. A UNITA propõe autonomia e o MPLA um fracasso estatuto especial para Cabinda, mas não independência, e, dado este facto político consumado, como podemos sair desta situação?
Para sair do status quo, nada mais do que um entendimento cordial e fraterna dos movimentos políticos cabindas, porque a fragmentação da FLEC em várias facções, o nascimento de vários movimentos políticos rivais dificulta o reconhecimento e o apoio internacional, porque as potências estrangeiras hesitam e sempre hesitarão em se envolver com movimentos políticos ou cívicos não unidos.
As energias que os nossos líderes políticos despendem a criticar e a desacreditar-se mutuamente, muitas vezes com desprezo, em vez de formarem uma frente unida contra Angola, dão à ditadura de Luanda motivos para permanecer em silêncio, sabendo que o desprezo mútuo entre as diferentes facções cabindas (independentistas radicais, apoiantes de uma forte autonomia e aqueles que se aliam à oposição angolana) é uma dádiva para o regime de Luanda.
É triste dizê-lo e difícil de admitir, mas a verdade é que, num conflito onde a identidade e a soberania (e o controlo de consideráveis recursos petrolíferos) estão em causa, o desprezo entre facções do mesmo povo reflecte muitas vezes a profundidade do desacordo estratégico e do sofrimento histórico, tornando um acordo extremamente improvável sem intervenção externa ou uma grande mudança no contexto político angolano.
O desprezo hoje leva a que as posições dos actores políticos cabindas se radicalizem e para alguns cabindas que se julgam mais legítimos que outros, devemos adoptar posições ainda mais duras, para provar que não somos “traidores”, tornando qualquer diálogo entre nós impensável e impossível.
Hoje, uma frente unida entre os cabindenses (mesmo que seja para um mínimo de reflexão) torna-se impossível, reforçando a posição do regime ditatorial do MPLA, que facilmente continua a dividir-nos para continuar a reinar, sem um interlocutor único e legítimo.
O desprezo é uma ferramenta de divisão que tem consequências directas na possibilidade de se chegar a um entendimento inter cabindense, e as pessoas ou movimentos que se aliam à oposição angolana ou ao MPLA podem ser vistos como “menos cabindas” nos seus compromissos com a soberania, o que alimenta o desprezo e a desconfiança irredutível.
Quando a questão existencial é: “Somos angolanos ou cabindas?”, não há compromisso fácil. Ambas as visões se consideram as únicas protectoras da identidade cabinda.
O desprezo advém frequentemente de acusações de traição ou cobardia. Hoje, tal como no passado, os defensores da independência ou de uma forte autonomia consideram aqueles que lidam com a oposição angolana (mesmo os anti-MPLA) como “colaboradores” que vendem a causa cabinda a troco de migalhas de autonomia.
Por outro lado, os mais pragmáticos desprezam o outro lado pelo seu radicalismo irresponsável, que mantém Cabinda num conflito estéril, custoso em vidas humanas, desenvolvimento e sem perspetivas de vitória.
É precisamente nesta situação de conflito identitário, político e territorial que o desprezo entre nós se instalou gradualmente e continua a dificultar enormemente a reconciliação ou o entendimento fraterno, a ponto de os cabindenses que, por força do exílio, falam francês serem vistos como estrangeiros traidores, e os que falam português como os únicos verdadeiros nativos.
É por isso que esta divisão, alimentada pelo desprezo, pode parecer intransponível hoje, apesar de todos compreenderem a necessidade de estarem juntos e falarem a mesma linguagem.
O ponto final aqui é, mais uma vez e acima de tudo, a divergência sobre a “verdade” histórica e jurídica.
Para o campo pró-independência ou fortemente pró-autonomia (aquele que é frequentemente desprezado), Cabinda nunca foi angolana. A incorporação em 1975 é vista como uma anexação ilegal (a “verdade” é o Tratado de Simulambuco). Qualquer proposta de autonomia de Angola, mesmo da oposição, é uma tentativa de legalizar o ilegal.
Para o campo aliado à oposição angolana, a “verdade” é que a independência é cada vez mais um sonho inalcançável face ao poderio militar do regime de Luanda e aos interesses internacionais. O caminho da autonomia (mesmo limitada) é a única forma pragmática de tentar melhorar o quotidiano do povo de Cabinda.
Enquanto isso, todos puxam o cobertor para o seu lado sem alterar nada no quotidiano do povo soberano, que, como espectadores do seu destino, continua a aguardar um messias que virá do céu com carruagens celestiais de fogo repletas de anjos para os libertar…